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A medida da vida

Santarém, Monumental Celestino Graça, 16 de Junho de 2019

Conheço a praça de toiros de Santarém praticamente desde que nasci. Vivi a pouco mais de cem metros da Celestino Graça durante os meus primeiros quinze anos. Da nossa casa conseguia ouvir a música, as palmas e as aflições em cada corrida. Naquelas tardes de toiros cheias de sol que pareciam durar para sempre e condensar em cada segundo tudo o que o Ribatejo tem de melhor, habituei-me a admirar tantos dos nossos forcados e a pasmar de cada vez que os vi vencer a palavra impossível.

Ali perto, a umas duas ou três portas à direita, vivia o Pedro Brás Pereira que foi com quem comecei a ir aos treinos e às corridas. Foi graças à amizade do meu vizinho “Pedro Pedro”, que já era um forcado consagrado, e ao seu rijo mini branco, que passei a acompanhar a que viria a ser uma das minhas famílias. A geografia ajudou-me e a amizade ainda mais.

Quando chegava o tempo da Feira, contava os segundos para poder ir para o Campo e depois para a Praça. Tudo era parte do mesmo: Cidade – Feira – Corrida. Por mais que me expliquem todos os motivos racionais e económicos que justificaram a mudança para o CNEMA, fiquei triste com esta separação. Faltava Ribatejo à capital do Ribatejo e este faltava sobretudo à porta da sua Praça de Toiros. E faltava cada vez mais Praça de Toiros a Santarém porque a Celestino Graça caminhava a passos largos para a irrelevância e para a degradação.

Digo “faltava” porque a Praça ganhou vida e recuperou o ânimo de outros tempos graças ao espírito de iniciativa e à coragem de um grupo de amigos nossos, do nosso Grupo, que sofriam como todos nós com o fim anunciado da lide de toiros em Santarém e que sentiam como cada um a amargura de ver desaparecer, lentamente e por inércia, parte essencial da nossa cultura e identidade.

O que os distingue da maior parte de nós foi o facto de terem sabido inverter este estado de coisas. De terem querido passar do sentimento à acção. É impressionante como aliaram os valores da entrega, dedicação e entreajuda próprias do forcado amador à seriedade e rigor com que conduzem as suas vidas profissionais e os puseram ao serviço de um projecto generoso que ofereceu a Santarém e aos aficionados aquilo com que estes já não se atreviam sequer a sonhar.

Os responsáveis por isso são estes: Diogo Palha, Diogo Sepúlveda, Francisco Empis, João Cabaço, João Pedro Seixas Luís, João Torres Vaz Freire, Joaquim Pedro Torres e Pedro Seabra.

Repito os seus nomes: Diogo Palha, Diogo Sepúlveda, Francisco Empis, João Cabaço, João Torres Vaz Freire, João Pedro Seixas Luís, Joaquim Pedro Torres e Pedro Seabra. A eles se deve que a marca que criaram - “Praça Maior” – seja não um mero sinal distintivo, mas um selo de qualidade e uma verdade absoluta. Maior quanto à capacidade de espectadores, a Celestino Graça voltou a ser maior em público. Maior no calendário taurino. Maior em afición. Maior em ambiente. Maior no modo como convocou todos para um esforço comum de renovação e de revitalização de um património que, sendo da Santa Casa da Misericórdia de Santarém, é sentido como sendo de todos os aficionados, sobretudo dos scalabitanos.

O esforço individual de cada um dos nossos “Celestinos” foi impressionante, esforço empresarial, intelectual, mas também físico, manual. É justo dizer que para a química deste processo foram precisas doses muito generosas de inspiração e de transpiração. Cada centímetro da praça mereceu cuidado e atenção. E todos os amigos foram chamados a ajudar. Muitos responderam à chamada. Mesmo os mais improváveis. Dou o exemplo da minha filha Maria que, apesar de na altura ter seis anos, quis ir ajudar na pintura de números de lugares em vez de ir a uma festa de anos com amigos. Como a Maria, muitos passaram pela Celestino Graça ao longo dos dias e deram o que puderam para a reerguer. Também por isso a nossa Praça é hoje mais nossa. E também por isso, por terem sabido unir-nos em seu redor, os nossos Celestinos merecem uma ovação de pé.

Depois da corrida escrevi a cada um para lhes agradecer. Registo que nenhum aceitou o agradecimento e que todos o devolveram agradecendo ao Grupo o que este lhes dera e aquilo que fizera por eles. E foi emocionante voltar a vê-lo actuar na sua Praça graças ao esforço dos seus oito forcados. Activos, como sempre.

A corrida de dia 16 de Junho foi justamente vista como a chave de ouro desta temporada Maior e encerrou mais um regresso simbólico: desta vez o da Corrida da CAP. Em tempos de opressão politicamente correcta, é bom que os principais representantes dos agricultores não se encolham nem se refugiem nos seus sectores e dêem apoio inequívoco a uma das mais brilhantes manifestações do mundo rural. Precisamos de uma Aliança para o Mundo Rural que apoie a preservação da sua economia, cultura, hábitos e costumes e os agricultores devem liderar esse esforço.

A seriedade dos Teixeiras e a competição quer nas lides a cavalo quer nas pegas contribuíram para que o público correspondesse massivamente como o fizera a 17 de Março e a 10 de Junho, para tristeza da mão cheia de animalistas que tiveram a bondade de partilhar a sua esganiçada ignorância connosco.

A pega do primeiro toiro do nosso Grupo, “Jogadorito”, de 600 quilos, brindada ao senhor Eng. Eduardo Oliveira e Sousa, Presidente da CAP, foi confiada ao António Taurino que está num momento excelente (o pegão de dia 10 prova-o e de que maneira!). O António fez três enormes tentativas a um toiro difícil e com um primeiro derrote muito complicado. Registo (e aplaudo) a vergüenza torera do António que, por não considerar a pega concluída, decidiu realizar uma terceira tentativa apesar de nem o público nem o director lha terem exigido. Lembro uma segunda ajuda digna de volta do José Fialho à segunda tentativa do António e o modo irrepreensível como o Grupo ajudou sempre.

O segundo toiro do nosso Grupo, “Fartazan”, de 580 kg, brindado ao senhor Ministro da Agricultura, foi pegado à primeira pelo Francisco Graciosa. Se não estou em erro, o Francisco tinha pedido um toiro ao nosso Cabo no jantar de dia 10 e em boa hora esse desejo foi-lhe concedido. O Francisco teve o condão de converter em aparentemente fácil um toiro difícil e que não se resignou quando sentiu o Grupo sobre si. Parabéns ao Francisco pela tranquilidade que transmitiu a todos quanto assistiram à sua pega e a todo o Grupo pelo modo competente como soube cumprir em cada uma das respectivas posições.

Faço aqui uma pausa para lamentar que alguns aficionados não tenham percebido a importância da participação de um membro do Governo numa Corrida de Toiros e tenham optado por assobiar quando o mero facto de o senhor Dr. Luís Capoulas Santos ter acedido a estar presente era merecedor de aplauso. Esteve bem o Grupo no brinde que lhe dedicou, e não apenas por obrigação formal.

O nosso terceiro toiro “Escapadito”, de 545 kg, foi pegado pelo Lourenço Ribeiro que brindou ao público. E o público bem merecia ser brindado pelo entusiasmo com que encheu a Celestino Graça, formando uma moldura humana impressionante. Este público, 25.000 pessoas em três tardes, que reconheceu o esforço da Praça Maior e que contribuiu para o seu sucesso, merecia o brinde e recebeu de presente uma grande pega. O Lourenço Ribeiro, pleno de arte e de confiança, fechou-se como uma lapa na cara do toiro, que tinha pata e poder, e todo o Grupo fez bem o que lhe competia.

Daquela que costumava ser a minha posição (a de “ajudante” como diria na brincadeira Manuel Goes), destaco que nenhum toiro passou pelo Grupo apesar da sua dureza, nem nunca foram convocadas as quartas ajudas do “Zé Tábua”. Olé para o Manuel Quintela e para o José Miguel Carrilho, para todos os outros ajudas e para o David Inácio que estiveram sempre onde era preciso!

Pelos nossos amigos do Grupo de Montemor, numa belíssima actuação, pegaram à primeira João da Câmara, Francisco Bissaya Barreto e à segunda Francisco Borges. Uma nota para os scalabitanos do Grupo de Montemor: é bom ver que o António e o Zé Maria Pena Monteiro e o Manuel Campilho honram tão bem a sua jaqueta.

A Corrida de dia 16 concluiu a primeira época da Praça Maior e esta não poderia ter sido melhor. Se pudesse traduzir numa única atitude o tamanho do agradecimento que é devido aos oito Celestinos, assinalava o gesto senhoril de Francisco Palha que desmontou para os aplaudir em plena praça, demonstrando que a letra “h” pode justamente ser acrescentada à palavra “cavaleiro” quando falamos dele.

Recordo o abraço amigo que o João Grave deu ao Salvador Ribeiro de Almeida no fim da Corrida e pareceu-me que, nesse abraço, o João dizia ao Salvador, como dirá a qualquer um dos seus forcados, “não pegaste hoje, mas persiste e prepara-te, porque a tua oportunidade vai chegar e eu confio em ti.” Confiamos todos!

Por falar em confiança, não consigo exprimir a que me dá ver o Nuno Megre na trincheira.

O Grupo de Santarém concluiu com brilho mais uma página da sua história. Soube estar à altura dela dentro e fora da praça. Velha Praça Nova. Praça Maior. Praça Nossa.

Se o primeiro toiro da Celestino Graça foi pegado pelo saudoso senhor Luís Freire Gameiro, graças ao rasgo e à entrega de forcados do Grupo ficou mais longe o dia em que será pegado o último. Como disse Corrie Ten Boom, «A medida da vida, no fim de contas, não é a sua duração, mas a sua doação.»

Pelo Grupo de Santarém, venha vinho!
Venha vinho!
Venha vinho!

João Vacas

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