Muito se tem falado e escrito sobre alguns acontecimentos da corrida do passado dia 25 de Julho no Campo Pequeno. O cartel foi composto pelos cavaleiros João Ribeiro Telles filho, Francisco Palha e Luis Rouxinol filho. A ganadaria Murteira Grave comemorava os 75 anos da sua fundação e o Grupo de Forcados Amadores de Santarém repartiu cartel com o Grupo de Forcados Amadores de Coruche. Vivemos num mundo em mudança. O que está certo hoje, amanhã deixa de estar. A internet, através dos sites e redes sociais, faz com que a informação (ou desinformação) se espalhe a uma velocidade relâmpago e somos dia a dia bombardeados com as mais diversas opiniões, das mais diversas pessoas, sobre os mais diversos temas. Com toda esta diversidade de ideias é dificil, hoje em dia, seleccionar através de onde queremos construir as nossas opiniões sobre os temas da actualidade. Formas de pensar que antigamente não faziam sentido hoje em dia ganham protagonismo por aparecerem repetidas, vezes sem conta, nas palavras de tanta gente sem conhecer sequer a origem de tais ideias. Aquilo que as massas fazem ou opinam passa a ser a nossa linha de orientação, pois temos tendência em ir atrás das maiorias. Como me disse uma vez o meu Avô: “É mais fácil ser carneiro do que pioneiro.” Estas tendências fazem com que a tauromaquia, parte da cultura e identidade do nosso povo e outrora amada por muitos, seja hoje odiada por alguns. Amanhã? Não sei. Desde pequeno fui ensinado a apreciar a tauromaquia pela sua componente artística e pela ética, ou conjunto de valores morais, que o espetáculo transmite. Crescido numa família criadora de toiros de lide, fui educado a ver o toiro como o protagonista do espetáculo. Lembro-me de ser contagiado com a emoção que sentia no meu Pai, quando saía um toiro bravo de verdade. Com a actual disponibilidade de meios para canalizar a divulgação de ideias, uma ferramenta facilmente usada para que uma ideia ganhe dimensão é a criação de escândalos e parece que é o que também não falta neste meio taurino. Apenas para citar um exemplo recente vi que houve quem tivesse ficado escandalizado com a morte do cavalo Xeque-Mate do Cavaleiro João Moura filho, no passado dia 6 de Julho em Coruche. Eu não fiquei. Escandalizado poderia ficar se visse morrer um actor num espetáculo teatral, mas não um cavalo numa Corrida de Toiros que é um espetáculo real. Fiquei apenas triste. Fiquei triste porque também já montei a cavalo com regularidade e ao ler as palavras do João sobre a perda do seu cavalo lembrei-me de como é forte a ligação que se cria entre um cavalo e o seu cavaleiro. Fiquei triste porque o Xeque-Mate era a extensão do João para a criação duma forma artística. Arte essa que não vamos voltar a ver, pelo menos da forma como fazia este conjunto, mas que seguramente voltaremos a ver o João criar e reinventar com outros cavalos. Há quem tenha ficado escandalizado pelo Grupo de Santarém ter pegado o quinto toiro da corrida do dia 25. Eu também não fiquei. Voltei a ficar triste e desta vez porque gostava que o Grupo de Santarém tivesse feito 3 pegas como a que fez ao primeiro toiro da noite. O Grupo de Forcados Amadores de Santarém apresentou-se pela primeira vez em praça no dia 8 de Agosto de 1915, capitaneado pelo Exmo. Senhor António Abreu. Não tive a oportunidade de conhecer quais eram os valores que regiam a sociedade da época mas certamente que alguns terão sido preservados pelo Grupo até aos dias de hoje. Numa sociedade com valores tão voláteis uma instituição capaz de atravessar séculos tem que ter sem dúvida uma dose de flexibilidade para se adaptar a todas essas alterações, mas por outro lado uma espinha dorsal e uma identidade bem definidas, para sobreviver às mudanças de pensamento. Voltando ao 5º toiro da corrida aconteceu que este mostrou sinais de ter partido um corno, ao bater nas tábuas, quando era colocado para a pega. Se o toiro fosse recolhido sem ser pegado, após a ordem do Director de Corrida, Exmo. Senhor Tiago Tavares, nesse sentido eu não ficava escandalizado. Um dos desafios comuns a alguém que dirige uma corrida, ou que comanda um Grupo de Forcados é a capacidade de se abstrair de factores externos e tomar decisões rápidas e acertadas. No meu caso como não vi nenhuma diminuição física no toiro que limitasse a realização da pega de cernelha com dignidade e não quis arriscar dar nenhum passo em falso, insisti com o Director de Corrida para que esta nos fosse autorizada, acabando por obter resposta positiva. Para melhor compreensão sobre o que se passou a seguir, vou citar parte do Artigo 54.º do Regulamento do Espetáculo Tauromáquico em vigor: “(…) 2 - As pegas de caras ou de cernelha não devem exceder os 10 minutos, sendo o primeiro aviso dado ao fim de cinco minutos, o segundo três minutos depois e o terceiro dois minutos depois, indicando o fim da atuação. 3 - Quando a pega de cernelha ou de caras for realizada como recurso, são acrescidos cinco minutos ao tempo previsto no número anterior. 4 - (…)” (Decreto-Lei n.º 89/2014. Diário da República, 1ª série-N.º 111 - 11 de junho de 2014) Após ordem para recolha do toiro antes do tempo previsto por lei para a realização da pega e dada a dificuldade em encabrestar o toiro, fomos forçados a realizar a pega de caras como recurso, que felizmente aconteceu de forma rápida. No final de toda esta situação fiquei contente por ver um grupo de homens, amigos a resolver uma situação que se acabou por tornar incómoda para todos, de forma rápida, eficaz, sem gritos, hesitações ou alaridos e com um sentido de dever muito bem definido. Dentro dos muitos valores que norteiam o Grupo de Santarém encontra-se o respeito pelo toiro bravo e pelo público e por isso fiquei triste por ter ouvido muitos assobios na bancada e suspeitar que alguns pudessem ser dirigidos ao Grupo de Santarém. Espero desta forma conseguir esclarecer os aficionados sobre algum mal-entendido que se possa ter originado na corrida. Lisboa, 28 de Julho de 2019. João Grave |