Estava eu a jantar com uns amigos, após a corrida do dia 17 de Março, em Santarém, quando o meu telefone toca e vejo que era o nosso cabo João. Sabia que ele estava, assim como o meu filho Diogo, na ProWein, em Dusseldorf (Alemanha), actualmente, a feira mais importante de vinhos do mundo. Obviamente que, apesar da sua ausência na corrida, já sabia de tudo o que se tinha passado na mesma. Após uma breve mas cuidada introdução, pede-me que eu faça a crónica da corrida. A minha primeira reacção foi de que gostaria que escolhe-se outra pessoa, até porque, num dia, para mim, de tantas emoções, da parte taurina, já não tinha os pormenores presentes. Contudo, o João, já me conhecendo bem, toca-me no meu ponto “fraco”: ao sentimento. Aí chegados, dei o meu sim e, após desligar a chamada, até pensei: “De facto, após o que se passou hoje, por portas ou travessas, eu teria que escrever alguma coisa. Da corrida, propriamente dita, irei abreviar bastante, até porque, a maioria dos leitores desta crónica, com certeza, nela estiveram presentes. Acho que devo começar por contar, do que sei, como tudo começou. Assim, de há uns meses a esta parte, constitui-se a Associação “Praça Maior”. Formada por oito elementos do Grupo de Santarém, tiveram por objectivo restituir à cidade de Santarém e ao plano taurino nacional, a sua praça de toiros, a Monumental Celestino Graça. Também eu, não só por ser de Santarém, por se tratar das pessoas em questão, mas, essencialmente, por gostar de toiros como ninguém, abracei no meu “íntimo” este projecto. Algo me cativou e me sensibilizou nesta equipa, nomeadamente, o facto de se tratar duma Associação sem fins lucrativos; algo de, inédito no mundo dos toiros. Desde então, a Celestino Graça passou a ser a minha segunda casa. Pude constatar, no dia-a-dia, o muito trabalho lá efectuado, não só pela equipa da organização, mas também, por muitos voluntários que iam aparecendo. Devido à minha idade, um “pouquito” avançada, não fiz trabalhos pesados mas empenhei-me no que estava ao meu alcance: a venda de abonos. Modéstia à parte, considero que o meu objectivo foi alcançado. Por todos os que lá passaram, vi muito trabalho, muito profissionalismo, muito empenho, muita dedicação e muito amor. Sim, de facto, o amor talvez seja destes itens o que mais destaquei e me sensibilizou. Regressando a minha casa, a ansiedade era grande, para contar a minha mulher, o que se tinha feito naquele dia. A praça ia-se embelezando; algum stress, como é normal, no final. O grande dia estava para chegar! E chega o Domingo, dia 17 de Março de 2019. Acordo muito cedo, contra o que é meu costume (pouco depois da 7 horas), com a preocupação da meteorologia. Sol com nuvens; menos mau. Arranjo-me e vou até à praça. Já muita gente na bilheteira: animador! Vou à missa e almoço em casa, em família. Apetite, nem vê-lo. Sentia-me ansioso, com pouca vontade de conversar. Fez-me lembrar os tempos em que o Diogo pegava. Não via a hora de arrancar para a praça (com muita antecedência), com a família atrás. Fomos a pé com o passo ligeiramente acelerado. Chegados à, ainda chamada, avenida da feira ouvia-se já a sobreposição sonora dos apitos da polícia para tentarem resolver o trânsito imenso, que aflui-a à praça. Nos passeios da mesma, muita gente se deslocava na mesma direcção. Comecei-me a entusiasmar e pensei: “Isto já parece Santarém do antigamente”. Chegados à praça, gente por tudo quanto era sítio. Nas bilheteiras a fila não tinha fim. Comecei aos poucos a pensar: “O sonho que tive, provavelmente, vai-se concretizar.” Fiz questão de entrar cedo na praça, para poder disfrutar do arranjo da mesma. Entradas ornamentadas; no hall do sector 1, música, sevilhanas, aulas de toureio para crianças, bancas com vendas de produtos regionais, bares bem arranjados, empregados fardados, tudo ao pormenor e com classe. Vou para o meu lugar, com antecedência. Queria ver a praça ainda com pouca gente. Que bonita ela está! Muita gente a entrar, muitas famílias (avós, filhos e netos). Muita gente conhecida, mas também, pessoas que não têm o hábito de ir aos toiros. Na realidade, a mensagem da organização passou e a praça, praticamente, encheu. Uma moldura humana que não cabia em mais praça nenhuma do país. Por isso mesmo, ela é a Praça Maior! A corrida começa à hora, com um ambiente tremendo. Bonito e rematado curro de toiros de Cunhal Patrício, “remendado” com um Veiga Teixeira, lidado em quarto lugar. Bom comportamento dos toiros com especial destaque para o quinto, que proporcionou ao ganadero volta à arena. Boas actuações de João Moura que, no intervalo, foi homenageado pelos seus 40 anos de alternativa, tirada nesta mesma praça. António Ribeiro Telles teve também duas excelentes actuações, com especial destaque para a segunda. Francisco Palha foi o grande triunfador da tarde com lides de grande nível, levando o público a levantar-se para o aplaudir entusiasticamente, no último toiro da corrida. Foi uma corrida que, no plano artístico, veio em crescendo, contrariando a temperatura ambiente. Para a cara do 1º toiro (490Kg), o Zé Fialho (que saiu a cabo) manda o forcado da terra, Fernando Montoya. O toiro, já muito parado e um pouco encostado às tabuas, obriga o Fernando a pisar-lhe os terrenos. Investida brusca, derrote violento e queda de má maneira, ficando o forcado inanimado na arena. Emenda rápida, sem brilho mas com eficácia, por parte do Ruben Giovety. Volta recusada (bem) pelo forcado, apesar de autorizada pelo director de corrida. Ao 3º toiro (570Kg) vai à cara o António Taurino. Muito calmo, perante toiro tão sério, e cite bem feito. O toiro arranca-se com muita pata, o António fecha-se bem, fura o grupo e despeja-o junto às tábuas. Segunda tentativa muito idêntica, agora com uma grande 1ª ajuda do Manel Lopo de Carvalho, e pega consumada. Volta do forcado e 1ª ajuda, na companhia do cavaleiro. Que pena irmos ficar privados de ver o António pegar esta temporada, devido à sua ida, em breve, para Londres, trabalhar. De facto, ele atingiu uma performance invejável. À cara do 5º toiro (585Kg) vai o Francisco Graciosa. Toiro imponente, capa de cartaz. O Francisco inicia o cite com calma. No entanto, o toiro sai solto, de mais de meia praça. O forcado aguenta, carrega, recua e fecha-se muito bem. O Zé Fialho, a dar 1ª ajuda, engata-se bem no conjunto e a pega é consumada com grande brilhantismo. Volta para Graciosa e Fialho, na companhia do cavaleiro. No final de recolherem às tábuas, ainda há chamada especial aos médios, para cavaleiro e forcado. Pelo Grupo de Vila Franca pegou, o 2º toiro (470Kg), o cabo Vasco Pereira, à 2ª tentativa; o 4º toiro (598 Kg), Rui Godinho, à 1ª tentativa e o 6º toiro (510 Kg), Francisco Faria, à 3ª tentativa. A corrida terminou com a temperatura já bastante baixa mas, foi reconfortante sentir o calor das emoções à saída. Abraços, beijos, alegria estampada no rosto das pessoas. Música, vídeos, bares ao rubro. Procurei aqueles que, para mim, foram os meus verdadeiros “heróis” desse dia (Praça Maior). Aos que encontrei abracei-os, emocionado. Não falei, porque se o fizesse, tinha a certeza que as minhas palavras rapidamente se converteriam em lágrimas. A grande maioria das pessoas teimavam em não abandonar as instalações e imediações da praça. Notava-se perfeitamente que queriam prolongar aquele ambiente único que se vivia. Fui jantar, com um grupo de amigos, próximo da praça. Também eu tive dificuldade em me afastar dela. Depois de uma refeição prolongada em que descomprimi das emoções do dia, fui a pé, sozinho, para casa. Na minha cabeça, entretanto, pairava um turbilhão de imagens e pensamentos. Voltei a pensar no que esteve no meu íntimo, o dia inteiro: “Que pena o meu querido filho não ter vivido, in loco, este dia mágico”. Noite fria, ruas já desertas, pensei que era a altura para fazer algo, de que senti necessidade: rezar! E rezei! Agradeci a Deus o dom da vida; agradeci-Lhe o facto de haver Homens como os oito elementos da Associação Praça Maior; agradeci-Lhe o dia inesquecível que me proporcionou a mim e a minha família e, finalmente, agradeci-Lhe, o facto, do sonho que eu tive ter-se tornado realidade. Queridos amigos! Desculpem-me crónica tão extensa mas, ainda assim, tentei abreviar o muito do que se passou neste memorável dia. Se me permitem, não irei terminar com o tradicional: “Venha vinho!!!” Termino sim com a frase escrita na lona que foi puxada pela avioneta que, demoradamente, sobrevoou a Celestino Graça, durante as cortesias, e que dizia: SOMOS AFICIONADOS - VIVA PORTUGAL Gonçalo Sepúlveda
|