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Entre o céu e a terra.

Estou no voo para Moçambique. Não consigo habituar-me a ideia de que o Zé já cá não está. Aconteceu o mesmo com o meu filho, mas comecei a comunicar com ele e a realidade ficou mais fácil. Teria sido insuportável não o fazer. Vai acontecer o mesmo com o Zé, mas para já está a ser duro.

Dentro do relativamente pequeno grupo dos meus grandes amigos, o Zé foi aquele com quem partilhei maiores afinidades. Com ele comparti e desfrutei muito e tudo o que ambos gostávamos. Começou no Colégio Militar cujos valores muito nos aproximaram e marcaram. Depois gozamos juntos a caça, os cavalos, os touros, o rugby (aí placávamo-nos sem dó), os fados, os copos, as miúdas nas inolvidáveis farras de Torremolinos e tantas outras.

Ultimamente eram os telefonemas quase diários:

“Zé, como estás hoje? O Sporting…”

“Eh pá, benzinho. Estável. Fiz a porra duma de uma transfusão, mas estou a sentir-me bem"

Invariavelmente. Nunca se queixou! Incrível!!

É que ele esteve na vida como um forcado, um toureiro, na essência do que tem de transcendente, belo, quase sobrenatural essa arte única de entrega e sentimento. Encarou-a com a valentia e garbo com que pegou os touros na arena. Dava-lhes meia praça, e pelos outros, tantas vezes a praça inteira. O Grupo (Família, amigos, os que o rodeavam) defendidos a todo o custo com o quite mais temerário, as consequências no próprio corpo sempre completamente olvidadas.

Foi colhido, mais do que uma vez foi colhido, mas nunca houve marrada que o abatesse, que o fizesse esmorecer.

Nas corridas em que participámos, tive o privilégio de lhe dar bastantes ajudas. Nos triunfos, modestíssimo, chamava-me muitas vezes a praça, mas o mérito era dele. Pura amizade… que saudades.

Tentei, tentámos todos, dar uma ajuda nesta tão difícil pega final. Deus decidiu à sua maneira, mas o touro foi pegado. Rija e magistralmente como sempre. Os braços no cachaço os joelhos no focinho. Derrotou, derrotou o bicho enfurecido, mas ele sempre entre os cornos. Firme.

O Zé está a dar a volta a praça, e nós, a multidão entusiasmada, enlouquecida, de pé a aplaudi-lo.

Nunca vamos esquecer esta pega.

No ar.

16 Março 2021

Manuel Ponte

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